terça-feira, 16 de junho de 2020

UM SÁBADO SEM CANÇÕES - Em memória de Domingo Libane

(Domingo Libane - *1936  + 2020)



No dia que a tosse braba, com a falta de ar aumentou em mim, fazendo - me ir às presas ao Hospital para conversar com um médico, encontrei aos cuidados da neta Mariana, dona Salvelina, esposa de Seu Domingo Libane, em uma sala próxima da enfermaria, tomando soro, nada bem.  Em conversa com Mariana sobre os sintomas contou que se suspeitavam que a avó estivesse com COVID -19, mas ainda faria o teste. O  medo de todos era, segundo ela, outras doenças da avó,  como a diabete.
Depois deste dia, no isolamento social que foi necessário me submeter, mesmo com o teste que fiz quadro dias após, ter reagido negativo ao coronavírus, não ouvi falar mais de dona Salvelina, nem de melhoras ou pioras de seu quadro clínico. Alguns conhecidos que soube estarem infectados, mantiveram via redes sociais, esperançosas conversas comigo de como estavam vencendo o vírus em suas casas, dando-me dicas para combater o vírus da forte gripe em mim, que me fez  escarrar sangue por dois dias.  As conversas com eles me eram confortantes, pois nós estávamos confinados, longe das pessoas. Em mim, como dera negativo o COVID, ainda me dava alguma liberdade de sair um pouco até a pracinha defronte de casa, ficando certo tempo por lá,  tirando  prosas com conhecidos, porém com  metros de distâncias. Fazia assim, no medo  do meu teste  ter sido equivocado, logo poderia contaminar outrens, e, eles,  com  medo de mim, em justa razão, mantinham  distanciamento.
Francamente, essa crise de pandemia desse novo corona vírus, possui dimensões de guerra. Confinamento nos remete aos filmes e livros lidos de conflitos armados, onde a presença da morte é constantemente esperada. Nessa pandemia o receio/medo da morte não é através de bombas ou armas letais congênitas. A morte vem nas partículas do ar, no tocar objetos ou pessoas, até mesmo se aproximar bem junto delas. E isso assombra a gente de um jeito não experimentado, até então.
 Nisto, após dias confinado, na sexta,  boca da noite, senti grande alívio na melhora da garganta. Estando seca, sem secreção  alguma, devido  as medicações, principalmente,  o mastruz que havia passado beber dois dias antes, como suco.  Então,  na hora do banho, na lavanderia, alegre,  me sentindo melhor, pus-me a cantar.    Começei  o repertório, testando a garganta, com a  ópera “O Sole Mio”.  Depois cantei “Yesderday”, dos Beatles e  minha predileta francesa “Je ne regrette Rien”, de  Édith Piaf. Umas das três músicas que em momento de  entusiasmo gosto de cantar e ouvir. Cantava alto. Os meus vizinhos  poderiam imaginar minha alegria, quando estão cantei bem mais alto “O que é  o que é”, de Gonzaguinha, pois para mim a vida voltava ser bonita, no superar algo de  sofrimento.
Cantei  mais outras musicas populares e evangélicas brasileiras,  voltando depois  para o computador e a internet, buscando através das fontes os boletins epidemiológicos das cidades da região para averiguar o  avanço ou retrocesso do coronavírus.
 Foi então que umas das minhas fontes me informou  que seu Domingo Libane  havia  acabado de falecer  vítima do COVID 19. A supressa e a tristeza sobrevieram. Nada  sabia sobre   o contagio  de Seu Domino Libane pelo vírus,  nem que um dos quatro internados em hospitais era ele. Alguém por demais conhecido por diversas gerações. Logo, o impacto da notícia de sua morte seria maior na comunidade.  
 Então, fiquamos  sabendo  através das fontes,  que sua mulher, dona Salvelina,  78 anos, havia piorado em seu estado de saúde, sendo hospitalizada em  Caxias, na UTI. E ele, seu Domingo Libane,  desde que passou usar máscara e viver a quarentena, psicologicamente, começo a declinar. Entrou em depressão com tantas notícias de morte,   agravado mais seu psicológico com a situação da mulher. Doente de alma,  prostrou-se de vez. Não mais comia, nem as pílulas medicinais engolia. Levado ao hospital local, no agravamento do quadro clínico, também foi pra Caxias. O teste rápido seu, cujo sangue foi retirado de um dos  pés, devido as veias  terem desaparecido  do corpo sem forças, acusaram  positivo para o coronavírus.
Seu Domingo Libane, aos 84 anos, só ficou um dia em Caxias. Morreu rápido. Silenciosamente.  Dona Silverina, ao ir ser internada na segunda vez no hospital, pegou em suas mãos, pedindo para ele se cuidar. A mesma não sabia que seria seu último pedido ao companheiro de anos. Era a despedida final.
Ainda na madrugada de sábado seu corpo chegou ao centenário Boqueirão, onde ele nasceu e viveu sempre,  em alma e presença física, sendo sepultado no cemitério antigo do lugarejo. Não houvera velório, pouquíssimas pessoas se despediram do velho pai dos Libane. Dos 13 filhos apenas  a amiga Lina, vinda poucos dias do Rio de Janeiro, se fez presente. 
No sábado, sabendo disso tudo, a tristeza me abateu. Assim como em todos os conhecidos. Entramos em luto juntos com os familiares  espelhados no país. Vivemos  um luto, em graus, com medo, confinamento e pavor  desse inimigo viral nos cercandoEstranho luto.
Foi um sábado, dia dos namorados, de tristeza,  no  qual a garganta e as minhas emoções não tiveram condições alguma de voltar a  cantar.



Nenhum comentário:

Postar um comentário