Os meus três primeiros livros de poemas
expressam muito de confessional, autobiografia em versos livres e simples,
possuindo os mesmos diversas cenas do cotidiano, concernente a três etapas da minha vida.
A poesia como o pó mágico para os artistas
dos versos, existe em tudo, tanto nas coisas mais triviais e singelas, colossais
e fantásticas; como nas diversas emoções que a alma humana é impregnada. Sendo beleza inspirativa existente em algo, pessoas
ou sentimentos afins que experimentamos; no poeta a poesia se materializa em forma
plástica, dita poema. Ela é a emoção mais tocante.
Observei recente na minha produção poética
a constante presença da minha mãe. Ela sem se dar conta, com seu jeito de ser
gente, mulher de gênero forte, crítica, e perturbante muitas vezes, sempre generosa com
as suas crias, se tornou uma poesia dentro de mim.
Assim, em “Adolescência Poética”, coletânea dos
primeiros versos, poetizei uma atitude autoritária dela em ter abandonado longe
de casa uma gata de estimação, muito querida. Na época doeu e marcou. E em “A
Gata Camila”, versejei:
Eu a banhava, cheirava sua cabeça/ abraçando forte no peito/ ao passear de
bicicleta com ela./ Era meu xodó, meu animal predileto./ Veio de Combi, de São
Luís/ para tornar minha vida mais feliz./ Um dia a mamãe com raiva,/ mandou
jogar ela bem longe/ dentro do mato,/ por ela ter degustado uns patos./ Quase
morri de dor e saudade.
No mesmo livro, no poema “Família”,
versando sobre todos de casa digo que “Mamãe,
a chefona, briguenta, que nos sustenta”.
E em outro poema da obra, “Patins”:
Mamãe não me deu os patins,/ para eu andar por aí/ sentindo liberdade
nos pés,/ em cima de rodas velozes.
No segundo livro, “Na Escuridão e
no Dia Claro”, onde tematizo o meu amadurecer psicológico como poeta, mamãe
continua aparecendo em outros poemas, como sendo o personagem oculto, no IV monólogo
do longo poema “Diurnal”:
Madrugada.../
Uma voz súbita vinda de outro quarto,/ me aconselha:/ - Vai dormir rapaz,/isso
não tem futuro./ Calo-me./ O que hei de fazer?/ Não me existe sono/ e a poesia
se revela a mim.
Também, na 3º estrofe do poema XXIII, de “Diurnal”, sua personagem
novamente aparece:
Com
a cara na porta do pátio/ o olhar pensador de mamãe./ “- Não vai cair, rapaz”,
grita ela./ Mas os braços em balança/ mantém o equilíbrio.
E em mais dos poemas de “Na Escuridão e no Dia Claro”, em “ Sons Noturnos”, versejei sobre os sons madrugais “da
máquina de costurar de mamãe”; e no “Conto Triste para Yana”, um drama da
perda de um amigo, ela se apresenta para consolar:
A minha mãe me chama/ Com seus olhos escuros/ molhados de lágrimas, me
fala:/ - Francisco Carlos,/ morreu o teu amigo./ - Eu já sei, já sei.../
respondi em prantos abafados.
Até
aqui, nestes dois livros apresentados, são sete poemas que ela é protagonista e
coadjuvante. Porém, a mesma continua sendo poesia em mim também no terceiro
livro “Ilhéus - entre o rio, os morros e o mar”. Neste, longe de casa, vivendo o
exílio da terra natal, devido à jornada da formação superior, lhe dedique o
poema “Mamãe”:
Saudades sinto da minha mamãe.
De nossa intensa convivência;
dos cuidados caprichosos dela;
da nossas famosas brigas.
E o perdão, em xícara de chocolate quente
expressando ela reconciliação.
Saudosas lembranças da casa
distante...
A comida se esvaindo na dispensa.
E em luta para alimentar os filhos,
ela produzia suor na máquina de costura,
regava canteiros
singelos de coentros,
empreendia toda vida .
Para economizar energia, havia até protestos dela
pelo televisor ligado na
alta madrugada.
Depois, o olhar sobressaltado
dela
pela fresta da janela,
quando versos de Drummond,
Cecília
e Fernando Pessoa declamados altos
na Avenida principal da pequena
cidade.
Nas altas horas da manhã,
no reinante silêncio do quarto,
se produzia poesia. De repente,
receando ela uma veraz elegia,
ocorrida na madrugada fria,
preocupantes chamados sucediam.
Os dramas de sua vida.
Os atos de coragem, altruísmo e
valentia,
enfrentando jagunços e um coronel,
para preponderar sua dignidade de mulher.
Expulsa das terras,
em lombo de burro,
dentro da noite escura,
ela carregava somente um filhinho no
colo
enquanto seu primogênito
fora brutalmente raptado.
Saudades grandes da minha mãe
Profundo orgulho sinto dela
Mulher digna, heroína.
Junto de mim quero sua presença,
todas histórias de sua vida,
e seus cuidados de amor materno.
Quando
existe amor materno, a presença marcante de mãe nos artistas faz a poesia fecunda. Milhares e milhares de poemas, como musicas e demais obras de artes existentes comprovam.
Enfim, esclarecendo mais o poema
primeiro aqui publicado, nunca mais minha mãe mandou jogar um gato meu no meio
do mato, nestes anos todos, ela tem sido até minha principal parceira, ajudando cuidar de todos os demais gatos adotados,
mesmo reclamando, chegando chorar quando alguns morrem. Mas isso,
contarei em outra crônica, em prosa poética, brevemente reunidas em coletânia.
Mamãe, eu e meu Gato Anapolito Filho |
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