domingo, 10 de maio de 2020

A POESIA MINHA MÃE NO MEU PRODUZIR POÉTICO



     Os meus três primeiros livros de poemas expressam muito de confessional, autobiografia em versos livres e simples, possuindo os mesmos diversas cenas do cotidiano, concernente a três etapas da minha vida.
     A poesia como o pó mágico para os artistas dos versos, existe em tudo, tanto nas coisas mais triviais e singelas, colossais e fantásticas; como nas diversas emoções que a alma humana é impregnada.  Sendo beleza inspirativa existente em algo, pessoas ou sentimentos afins que experimentamos; no poeta a poesia se materializa em forma plástica, dita poema. Ela é a emoção mais tocante.
   Observei recente na minha produção poética a constante presença da minha mãe. Ela sem se dar conta, com seu jeito de ser gente, mulher de gênero forte, crítica, e perturbante muitas vezes, sempre generosa com as suas crias, se tornou uma poesia dentro de mim.
  Assim, em “Adolescência Poética”, coletânea dos primeiros versos, poetizei uma atitude autoritária dela em ter abandonado longe de casa uma gata de estimação, muito querida. Na época doeu e marcou.  E em “A Gata Camila”, versejei:

 Eu a banhava, cheirava sua cabeça/ abraçando forte no peito/ ao passear de bicicleta com ela./ Era meu xodó, meu animal predileto./ Veio de Combi, de São Luís/ para tornar minha vida mais feliz./ Um dia a mamãe com raiva,/ mandou jogar ela bem longe/ dentro do mato,/ por ela ter degustado uns patos./ Quase morri de dor e saudade.

  No mesmo livro, no poema “Família”, versando sobre todos de casa digo que “Mamãe, a chefona, briguenta, que nos sustenta”.  E em outro poema da obra, “Patins”:

Mamãe não me deu os patins,/ para eu andar por aí/ sentindo liberdade nos pés,/ em cima de rodas velozes.

  No  segundo livro, “Na Escuridão e no Dia Claro”, onde tematizo o meu amadurecer psicológico como poeta, mamãe continua aparecendo em outros poemas, como sendo o personagem oculto, no IV monólogo do longo poema “Diurnal”:

Madrugada.../ Uma voz súbita vinda de outro quarto,/ me aconselha:/ - Vai dormir rapaz,/isso não tem futuro./ Calo-me./ O que hei de fazer?/ Não me existe sono/ e a poesia se revela a mim.

 Também, na 3º estrofe do poema XXIII, de “Diurnal”, sua personagem novamente aparece:

Com a cara na porta do pátio/ o olhar pensador de mamãe./ “- Não vai cair, rapaz”, grita ela./ Mas os braços em balança/ mantém o equilíbrio.

  E em mais dos poemas de “Na Escuridão e no Dia Claro”, em  “ Sons Noturnos”,  versejei sobre os sons madrugais  “da máquina de costurar de mamãe”;  e  no “Conto Triste para Yana”, um drama da perda de um amigo, ela se apresenta para consolar:

A minha mãe me chama/ Com seus olhos escuros/ molhados de lágrimas, me fala:/ - Francisco Carlos,/ morreu o teu amigo./ - Eu já sei, já sei.../ respondi em prantos abafados.

   Até aqui, nestes dois livros apresentados, são sete poemas que ela é protagonista e coadjuvante. Porém, a mesma continua sendo poesia em mim também no terceiro livro “Ilhéus - entre o rio, os morros e o mar”. Neste, longe de casa, vivendo o exílio da terra natal, devido à jornada da formação superior, lhe dedique o poema Mamãe”:


Saudades sinto da minha mamãe.
De nossa intensa convivência;
dos  cuidados caprichosos dela;
da nossas famosas brigas.
E o perdão, em  xícara de chocolate quente
expressando ela  reconciliação.

Saudosas lembranças da casa distante...
A comida se esvaindo na dispensa.
E em luta  para alimentar os filhos,
ela produzia suor  na máquina de costura,
regava  canteiros  singelos de coentros,
empreendia toda  vida .
Para economizar energia, havia até protestos dela
pelo  televisor ligado   na alta madrugada.
                     
Depois, o olhar sobressaltado dela
pela  fresta da janela,
quando versos de Drummond, Cecília
e Fernando Pessoa declamados altos
na Avenida principal da pequena cidade.

Nas altas horas da manhã,
no reinante silêncio do quarto,
se produzia poesia. De repente,
receando ela uma veraz elegia,           
ocorrida na madrugada fria,
preocupantes chamados sucediam.

Os dramas de sua vida.
Os atos de coragem, altruísmo e valentia,
enfrentando  jagunços e um  coronel,
para  preponderar sua dignidade de mulher.

Expulsa das terras,
em lombo de burro,  
dentro da noite escura,
ela carregava somente um filhinho  no colo
enquanto  seu  primogênito
fora brutalmente raptado.
                   
Saudades grandes da minha mãe
Profundo orgulho sinto dela
Mulher digna, heroína.
Junto de mim quero sua presença,   
todas histórias de sua  vida,
e seus cuidados de amor materno.   

Quando existe amor materno, a presença marcante de mãe nos artistas faz  a poesia  fecunda. Milhares e milhares de poemas,  como  musicas e demais obras de artes existentes comprovam.
Enfim, esclarecendo  mais o poema primeiro aqui publicado, nunca mais minha mãe mandou jogar  um gato  meu no meio do mato,  nestes anos todos, ela tem sido até minha principal parceira, ajudando cuidar de todos os demais gatos adotados, mesmo  reclamando, chegando chorar quando alguns morrem. Mas isso, contarei em  outra crônica,  em prosa poética,   brevemente  reunidas em coletânia. 


Mamãe, eu e meu Gato Anapolito Filho




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