O meu avô
Agostinho faleceu há mais de vinte anos, 21 anos precisamente. Pouco na vida,
publicamente, falei do meu avô. Não sei exatamente a razão. Talvez seja pelo
vazio ainda existente da presença física dele; talvez seja pela dor ainda
sentida por sua partida; ou talvez, certo desejo de guardar no meu
coração/memória as lembranças dele somente pra mim.
Enfim,
realmente, pouco dele falei ou escrevi. Só uma crônica, que está engavetada.
Agora, desejo quebrar um pouco desse silêncio e vou contar algo sobre meu avô,
de algumas lembranças e momentos juntos, da influência que sua
vida causou na
minha .
Em meados da
década de 10 do século XX, uma seca enorme sobreveio sobre o sertão nordestino – e Maria Machado –
grávida, decide abandonar o Ceará, fugindo
com migrantes para o Maranhão. Ela
retirante, no caminho pariu, ainda em solo cearense, gêmeos, meu avô e o outro irmão. Em final de dezembro
de 1913 ou começo de 1914, encontraram guarita no vale do rio Parnaíba. Então,
se fixaram no lugarejo/porto fluvial chamado Garapa. Ali, no Garapa vovô
cresceu, casou, criou 12 filhos com muita decência e trabalho.
Em 1970, alguns filhos morando fora, devido profundas
mudanças que os negócios industriais e pastoris das famílias Oliveira e Bacelar
causavam no Garapa, agora cidade Duque Bacelar, meu avô Agostinho, aos 57
anos, se viu obrigado deixar sua terra, no qual amava, indo embora com todos os
seus filhos, mulher, nora, netos e alguns amigos, para São Luís, em cima de
um caminhão. Fixaram residência no bairro Alemanha, as margens do rio Anil, subúrbio da
capital.
Mesmo estando
com todos os familiares em São Luís, com exceção de papai Carnaúba ( com
família constituída decidiu ficar em sua
terra), meu avô que cresceu em ambiente rural, jamais
se acostumou com polis grande. Tão certo,
tendo eles outro terreno ligado ao quintal da casa na
Alemanha, vovô plantava legumes de roça:
milho, feijão, quiabo, etc., tudo orgânico. Certamente, no seu interior, em sentimentos e emoções, ele jamais
deixou o campo e o Garapa. Assim, todo
ano, viajava pra lá e passava dias na casa dos meus pais na Santana Velha; depois
quando meu pai voltou morar na cidade, vovô iria também. As suas visitas proporcionaram que eu
e os meus irmãos convivessem com ele. E
é aqui que a história da minha vida se interliga com a dele, e confesso: linda
foi.
Criancinha, o
mais novo de casa, lembro-me dele chegando no ônibus “Salete”, no final de outubro, quando
viajava a nossa cidade para ascender velas para três filhos falecidos, em tenra
idade, no Cemitério Julião, como pra sua mãe no Cemitério da Fazendinha. Quando
o ônibus parava defronte a nossa casa, alguém avisava que o vovô tinha chegado.
Eu saía correndo com uma alegria enorme pra receber o meu avô. E pegava em suas
mãos brancas, entrando com ele em casa.
Lembro
também, acho que entre os cinco ou seis
anos, meu pai me levou a primeira vez pra São Luís, passar as férias na casa do
vovô. Nunca esqueço dessas férias.
Sozinho, meu amigo, minha companhia foi ele e a vovó Bernarda. As cenas vivazes na memória desses dias são ainda
coloridas. Meu avô me levou para ver a maré baixar e os caranguejos no mangue,
à margem do rio Anil. Da insistência minha pra banhar na chuva, ele me deixou
sair e ficar na rua banhando ( mas com ele vigiando da grade da varanda), e o
“conselho de banhar até tremer os dentes ”. E então saciado de chuva, dentro da
casa tremendo os dentes de frio, ele com muito amor foi pegar a toalha. “Frio
né?! Falou, rindo”.
Mas das
lembranças as que mais marcaram mesmo foram das histórias contadas. No fundo do
quintal da casa na Alemanha tinha uma casinha de um só cômodo que servia de
depósito de objetos e também servia pras
reflexões de vovô. Ele se refugiava ali. Se eu não o encontrava em qualquer
canto da casa principal, podia ir lá, onde ele tinha o hábito metódico de todos
os dias escrever numa mesa de madeira de giz,
o dia de cada mês. Foi nesta casinha que o
mesmo me contou sobre uma cobra enorme, moradora
da casinha, no qual ele
alimentava, quando eu começava mexer nas coisas. Questionador deste cedo,
pergunto por ela, a cobra, mas ele me respondeu que a mesma só aparecia com
ele. De certo forma, acreditava; achando fantástico ele criar e alimentar uma
cobra.
A outra
história marcante foi sobre a alma de Duque Bacelar. Lembro que com saudades da
cidade ao pronunciar o nome dela, vovô docemente me “repreendia”, com certo
mistério e olhar de graça. Aconselhava para não falar o nome Duque Bacelar, se
não a alma penada dele poderia vim me visitar durante o sono. Era pra eu chamar o nome da cidade
Garapa, dizia ele. E questionador infantil, perguntava quem era esse Duque
Bacelar? Mas ele não me respondia,
escondendo algo. Tais diálogos me causaram grande impressão, pois Duque Bacelar para mim era o lugar onde morava, algo sem
vida, jamais uma pessoa. Assim, imaginava como a alma penada de uma cidade poderia
vim me visitar durante o sono da noite.
Essa foi a
primeira e a única das férias que passei diversos dias com vovô. Nas outras
férias ficava só alguns dias, pois alguns irmãos meus estudantes em São Luís,
morando na casa de tios, me levavam pra ficar com eles. Também, a partir de
1989 houve uma crise no relacionamento
de minha mãe com meu pai, devido um caso
extraconjugal, tendo vovô se envolvido na briga, estando em casa, fazendo ele, magoado e orgulhoso, não mais se hospedasse em nossa casa, em Duque. E também meus
pais adquirindo uma casa para os meus irmãos ficarem estudando em São Luís,
estando na capital, nas férias ficar
mais com eles.
Após poucos anos, a idade avançada, meu avô
teve problemas com a próstata. Surgiu um
câncer. Estando novamente de férias em São Luís, em janeiro de 1992, minha irmã Rosa me convidou para visitar vovô.
- “Ele está
muito doente”, me falou ela. “E talvez você indo embora para Duque sem fazer a
visita, não veja mais ele”. E fomos visitar vovô no bairro Alemanha. Lembro-me
dele bem debilitado, deitado numa cama, tomando soro e bebendo água de coco. Um
tio otimista, animando-o, dizendo que ele ficaria bom. Lembro que tomei a
benção de vovô, e que nós conversemos e recordemos de coisas, mas não consigo lembrar
o conteúdo delas. Foi meio diferente àquela visita.
Alguns meses
após, começo de noite, dia 8 de Agosto, estava no meu quarto calçando um tênis
para ir à escola, ouço choros e a notícia de quer o vovô tinha morrido. Senti
um aperto no coração. Lágrimas desceram forte, em meus 13 anos de idade. Depois da busca da solução
do carro para se viajar a São Luís, chegando
todos de madrugada. Durante o restante
da madrugada e do dia, me comovi muito
com pessoas chorando, principalmente a prima Samia, mas eu não conseguia chorar
mais o fim da vida do meu avô. Ao levarem
seu corpo no final da tarde para o
cemitério do Vinhais, havendo àquela crise última de lamentos e choros, escondendo –me no
primeiro quarto da casa, chorei sozinho,
sentindo muita dor. Perguntaram se
desejava ir ao cemitério, disse que não.
Tive um medo, no qual não sei a razão.
Quando chegou
a noite, nós os descendentes do vovô que ficaram em sua terra, voltamos para o
Garapa. Algo, porém, durante meses se abateu sobre mim pela primeira vez. Luto
aos 13 anos de idade. Vovô foi a primeira pessoa na vida que eu amava que havia
morrido. Durante alguns meses seguintes, as lágrimas que eu não consegui verter
muito durante o velório, vieram
abundantemente, durante meses. E sozinho eu chorava. Menino tímido, ninguém nunca soube o quanto de sofrimento suportei. Eu
amava o meu avô.
Amanhã, dia 6
de Dezembro de 2013, seu meu avô Agostinho Machado estivesse vivo, iria
comemoram 100 anos de vida. Ele, o meu avô , nascido nas estradas secas e sem vida do Ceará. O avô
que quando criança, na casinha dos
fundos da casa da Alemanha, contou a história da cobra e da alma penada do
Duque Bacelar, pedindo pra não chamar o nome do nosso lugar Garapa, de Duque.
Ele contando
àquelas histórias jamais imaginava que exerceriam uma influência intelectual
tão forte e marcante em meu pensamento.
Suas histórias, como sementes plantadas em meu ser, e o 'não' dele para
a pergunta que fiz aos 5/6 anos, “quem era Duque Bacelar?” - um dia me levariam
a ser um dos principais pesquisadores sobre a história desde Duque Bacelar
- o
Duque cidade e pessoa - como
também um apaixonado por histórias de pessoas e as histórias de tudo do mundo.
E tal paixão
hoje, não somente dão frutos sociais e escritos, mas também ajudam criar, de certa forma, uma nova história em nosso Garapa, sendo assim
registrado outras; não deixando que essas mesmas histórias, como
a própria história do meu avô, não seja
levado com os que se vão, fiquem esquecida na história e no tempo.
Esse, o meu avô Agostinho, que vos digo, foi o maior
contador de histórias e o mais importante que tive a felicidade de conhecer e ouvir.
Brasília, dezembro de 2013