quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

O MEU MAIOR CONTADOR DE HISTÓRIAS - EM MEMÓRIA DO MEU AVÔ


O meu avô Agostinho faleceu há mais de vinte anos, 21 anos precisamente. Pouco na vida, publicamente, falei do meu avô. Não sei exatamente a razão. Talvez seja pelo vazio ainda existente da presença física dele; talvez seja pela dor ainda sentida por sua partida; ou talvez, certo desejo de guardar no meu coração/memória as lembranças dele somente pra mim.

Enfim, realmente, pouco dele falei ou escrevi. Só uma crônica, que está engavetada. Agora, desejo quebrar um pouco desse silêncio e vou contar algo sobre meu avô, de algumas lembranças e momentos juntos, da influência  que  sua vida  causou  na  minha .

Em meados da década de 10 do século XX, uma seca enorme  sobreveio sobre  o sertão nordestino – e Maria Machado – grávida, decide abandonar o Ceará,  fugindo com migrantes  para o Maranhão. Ela retirante, no caminho pariu, ainda em solo cearense, gêmeos,  meu avô e o outro irmão. Em final de dezembro de 1913 ou começo de 1914, encontraram guarita no vale do rio Parnaíba. Então, se fixaram no lugarejo/porto fluvial chamado Garapa. Ali, no Garapa vovô cresceu, casou, criou 12 filhos com muita decência e trabalho.

Em 1970,  alguns filhos morando fora, devido profundas mudanças que os negócios industriais e pastoris das famílias Oliveira e Bacelar causavam no Garapa,  agora  cidade Duque Bacelar, meu avô Agostinho, aos 57 anos, se viu obrigado deixar sua terra, no qual amava, indo embora com todos os seus filhos, mulher, nora, netos e alguns amigos, para São Luís,  em cima de  um caminhão. Fixaram residência no bairro  Alemanha, as margens do rio Anil, subúrbio da capital.

Mesmo estando com todos os  familiares  em São Luís, com exceção de papai Carnaúba ( com família  constituída decidiu ficar em sua  terra),  meu avô que cresceu em ambiente rural, jamais se acostumou com polis grande. Tão certo,  tendo  eles  outro terreno ligado ao quintal da casa na Alemanha,  vovô plantava legumes de roça: milho, feijão, quiabo, etc., tudo orgânico.  Certamente, no seu  interior, em sentimentos e emoções, ele jamais deixou o  campo e o Garapa. Assim, todo ano, viajava pra lá e passava dias na casa dos meus pais na Santana Velha; depois quando meu pai voltou morar na cidade, vovô  iria  também. As suas visitas proporcionaram que eu e os meus irmãos convivessem com ele.  E é aqui que a história da minha vida se interliga com a dele, e confesso: linda foi.

Criancinha, o mais novo de casa, lembro-me dele chegando  no  ônibus “Salete”, no final de outubro, quando viajava a nossa cidade para ascender velas para três filhos falecidos, em tenra idade, no Cemitério Julião, como pra sua mãe no Cemitério da Fazendinha. Quando o ônibus parava defronte a nossa casa, alguém avisava que o vovô tinha chegado. Eu saía correndo com uma alegria enorme pra receber o meu avô. E pegava em suas mãos brancas, entrando  com ele em casa.

Lembro também, acho que entre os cinco  ou seis anos, meu pai me levou a primeira vez pra São Luís, passar as férias na casa do vovô. Nunca esqueço  dessas férias. Sozinho, meu amigo, minha companhia foi ele e a vovó Bernarda.  As cenas vivazes na memória desses dias são ainda coloridas. Meu avô me levou para ver a maré baixar e os caranguejos no mangue, à margem do rio Anil. Da insistência minha pra banhar na chuva, ele me deixou sair e ficar na rua banhando ( mas com ele vigiando da grade da varanda), e o “conselho de banhar até tremer os dentes ”. E então saciado de chuva, dentro da casa tremendo os dentes de frio, ele com muito amor foi pegar a toalha. “Frio né?! Falou, rindo”.

Mas das lembranças as que mais marcaram mesmo foram das histórias contadas. No fundo do quintal da casa na Alemanha tinha uma casinha de um só cômodo que servia de depósito  de objetos e também servia pras reflexões de vovô. Ele se refugiava ali. Se eu não o encontrava em qualquer canto da casa principal, podia ir lá, onde ele tinha o hábito metódico de todos os dias escrever  numa mesa de madeira   de giz,  o dia de cada  mês.  Foi nesta casinha  que  o mesmo  me contou  sobre  uma cobra enorme,  moradora  da casinha,  no qual ele alimentava, quando eu começava mexer nas coisas. Questionador deste cedo, pergunto por ela, a cobra, mas ele me respondeu que a mesma só aparecia com ele. De certo forma, acreditava; achando fantástico ele criar e alimentar uma cobra.

A outra história marcante foi sobre a alma de Duque Bacelar. Lembro que com saudades da cidade ao pronunciar o nome dela, vovô docemente me “repreendia”, com certo mistério e olhar de graça. Aconselhava para não falar o nome Duque Bacelar, se não a alma penada dele poderia vim me visitar durante  o sono. Era pra eu chamar o nome da cidade Garapa, dizia ele. E questionador infantil, perguntava quem era esse Duque Bacelar?  Mas ele não me respondia, escondendo algo. Tais diálogos me causaram grande impressão, pois  Duque Bacelar  para mim era o lugar onde morava, algo sem vida, jamais uma pessoa. Assim, imaginava como a alma penada de uma cidade poderia vim me visitar durante  o sono da noite.

Essa foi a primeira e a única das férias que passei diversos dias com vovô. Nas outras férias ficava só alguns dias, pois alguns irmãos meus estudantes em São Luís, morando na casa de tios, me levavam pra ficar com eles. Também, a partir de 1989  houve uma crise no relacionamento de minha mãe com meu pai, devido um  caso extraconjugal,  tendo  vovô se envolvido na briga,  estando em casa,  fazendo  ele, magoado e orgulhoso, não mais  se hospedasse em nossa casa,   em Duque. E também   meus pais  adquirindo uma casa  para os meus irmãos ficarem estudando em São Luís,  estando na capital, nas férias   ficar mais com eles.

 Após poucos anos, a idade avançada, meu avô teve problemas  com a próstata. Surgiu um câncer. Estando novamente de férias em  São Luís, em janeiro de 1992,  minha irmã Rosa me convidou para visitar vovô.
- “Ele está muito doente”, me falou ela.  “E  talvez você indo embora para Duque sem fazer a visita, não veja mais ele”. E fomos visitar vovô no bairro Alemanha. Lembro-me dele bem debilitado, deitado numa cama, tomando soro e bebendo água de coco. Um tio otimista, animando-o, dizendo que ele ficaria bom. Lembro que tomei a benção de vovô, e que nós conversemos e recordemos de coisas, mas não consigo lembrar o conteúdo delas. Foi meio diferente àquela visita.

Alguns meses após, começo de noite, dia 8 de Agosto, estava no meu quarto calçando um tênis para ir à escola, ouço choros e a notícia de quer o vovô tinha morrido. Senti um aperto no coração. Lágrimas desceram forte, em meus  13 anos de idade. Depois da busca da solução do carro para  se viajar a São Luís, chegando todos  de madrugada. Durante o restante da madrugada e do dia,  me comovi muito com pessoas chorando, principalmente a prima Samia, mas eu não conseguia chorar mais o fim da vida do meu avô. Ao  levarem  seu corpo no final da tarde para o cemitério do Vinhais, havendo   àquela crise última  de lamentos e choros, escondendo –me no primeiro quarto da casa,  chorei sozinho, sentindo  muita dor. Perguntaram se desejava ir ao cemitério, disse que  não. Tive um  medo,  no qual não sei a razão.

Quando chegou a noite, nós os descendentes do vovô que ficaram em sua terra, voltamos para o Garapa. Algo, porém, durante meses se abateu sobre mim pela primeira vez. Luto aos 13 anos de idade. Vovô foi a primeira pessoa na vida que eu amava que havia morrido. Durante alguns meses seguintes, as lágrimas que eu não consegui verter  muito durante o velório, vieram abundantemente, durante meses. E sozinho eu chorava. Menino tímido, ninguém  nunca soube o quanto de sofrimento suportei. Eu amava o meu avô.



Amanhã, dia 6 de Dezembro de 2013, seu meu avô Agostinho Machado estivesse vivo, iria comemoram 100 anos de vida. Ele, o meu avô , nascido  nas estradas secas e sem vida do Ceará. O avô que quando  criança, na casinha dos fundos da casa da Alemanha, contou a história da cobra e da alma penada do Duque Bacelar, pedindo pra não chamar o nome do nosso lugar Garapa, de Duque.

Ele contando àquelas histórias jamais imaginava que exerceriam uma influência intelectual tão forte e marcante em meu pensamento.  Suas histórias, como sementes plantadas em meu ser, e o 'não' dele para a pergunta que fiz aos 5/6 anos, “quem era Duque Bacelar?” - um dia me levariam a ser um dos principais pesquisadores sobre a história desde Duque Bacelar -  o  Duque cidade e  pessoa - como também um apaixonado por histórias de pessoas e as histórias de tudo do mundo.

E tal paixão hoje, não somente dão frutos sociais e escritos, mas também ajudam  criar, de certa forma,  uma nova história em nosso Garapa, sendo assim registrado  outras;  não deixando que essas mesmas histórias, como a própria história do meu avô,  não seja levado com os que se vão, fiquem esquecida  na história e no tempo.

Esse,  o meu avô Agostinho, que vos digo, foi o maior contador de histórias e o mais importante que tive a felicidade de  conhecer e ouvir.

                                                                                      Brasília, dezembro de 2013